segunda-feira, 21 de junho de 2010

O ano da morte de José Saramago.

José Saramago representa para mim uma vida de força, resistência, dúvidas, ousadia, incoerência, generosidade, ideias, combatividade, orgulho e a cima de tudo humanidade, uma humanidade assertiva que não pedia com licença nem por favor para o ser.
Já li de tudo sobre Saramago nestes últimos dois dias e prefiro honestamente ler todos aqueles que discordavam do homem, que discordavam da obra e o escrevem frontalmente, que aqueles que precisam nos seus escritos de balancear uma coisa com a outra numa equação tão politicamente correcta, foi contra esses que Saramago escreveu tantas vezes e tantas vezes com esses perdeu a paciência. Esses que Sophia de Mello Breyner tão bem descreveu como as "pessoas sensíveis que não são capazes de matar galinhas, porém são capazes de comer galinhas", esses que esbanjam a sua simpatia e a seu julgamento, transparecendo a necessidade de estarem num sítio onde não nasceram e de onde querem fugir, para isso sorriem, riem e julgam. A convicção e a ambição de José Saramago nunca lhe foi perdoada por esses provincianos de cidade, esses merdas, que têm jogo de cintura, poder de encaixe, que se amigam e desamigam entre eles conforme jogos de favores circunstânciais sempre em prol do bem de cada um, pois não se conhece nessa gente um pingo de empatia.
José Saramago fez coisas erradas e assumiu que errou, errou porque acreditou que estava a fazer a coisa certa, mas como a todos os homens bons essa gente reles exigia mais, queriam a perfeição plástica, a perfeição tão típica de quem nunca fez nada, e muito menos fez a devassa da sua vida antes de em riste levantar o seu acusatório dedo, para logo a seguir o baixar, não vá um amigo mais marginal ver e querer desamigar-se. O que esse ratos não sabem é que o dedo em riste toda a gente levanta o difícil é mantê-lo.
José Saramago teve muitos "pecados" na sua vida, mas nunca foi subserviente, mesquinho, certinho, correctinho, apaixonadinho, aplicadinho, regradinho, consensualzinho, simpatiquinho e outros inhos, isso fez dele um Homem e não um homenzinho.
José Saramago ficará para sempre como alguém que não desistiu, quando era suposto tê-lo feito, ficará como o maior escritor do século XX português, ficará como um dos mais brilhantes intelectuais da sua geração, ficará como o homem que chorava ao lembrar um criador de porcos analfabeto e a sua mulher, ficará a sua imagem tão lúcida de um tão seu Portugal, e para mim ficará o orgulho de poder ser representado, enquanto português, por este homem que tinha aquilo que de melhor os portugueses têm: era um ser vertebrado.